África 21 Online
Pesquisa
Sou assinante
Destaques da edição de Agosto de 2019
O processo de integração africana, conducente à construção de uma África unida e próspera, entrou na sua fase decisiva, com o lançamento da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA ou ZLECAf, na sigla inglesa), durante a 12.ª Sessão Extraordinária da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da União Africana (UA), ocorrida em Niamey, no Níger.
Por Mário Pedro
TRATA-SE DA MATERIALIZAÇÃO de uma aspiração que levou 17 anos de negociação e que ganhou corpo a partir do momento em que 44 dos 53 Estados do continente assinaram, a 21 de Maço de 2018, o tratado sobre a liberalização do comércio de mercadorias e serviços, na Cimeira de Kigali (Rwanda). Do peixe fresco das Seychelles ao petróleo de Angola, 90% de todos os bens transaccionados em África vão passar a circular sem estar sujeitos a taxas aduaneiras, durante um período inicial de 10 anos. Alguns países podem, no entanto, implementar a redução das tarifas durante um período mais prolongado, no caso de mercadorias sensíveis, ou manter as existentes para os restantes 10% dos produtos.
Angola foi o terceiro dos primeiros 27 países que assinaram o tratado, embora não o tenha ainda ratificado. O ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, garante que isso deve acontecer “num futuro breve". Até à Cimeira de Niamey, pelo menos 27 países já haviam ratificado o tratado. A Eritreia é o único que ficou de fora, por não o ter sequer assinado. Quénia e Ghana foram os primeiros a depositar os instrumentos de ratificação, em Maio de 2018, após o aval dos respectivos parlamentos.
A partir de Niamey, o Acordo de Livre Comércio entrou na sua fase operacional, um ano depois que começou a vigorar. Trata-se do maior acordo de comércio livre, a seguir a Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1995 e o acontecimento mais importante na vida do continente, desde a fundação da OUA (Organização da Unidade Africana), em 1963 e sua transformação em União Africana (UA). É “um acontecimento que renova as esperanças de construção de uma África unida e próspera”, segundo o presidente Issoufou Mahamadou, anfitrião do certame.
Suplanta, de longe, o processo de constituição do Mercado Comum Europeu – embrião da actual União Europeia – a primeira constelação de Estados a atingir a plena integração entre os seus membros – levou meio século – até tornar-se hoje no maior e mais avançado bloco económico do mundo, formando um verdadeiro “Estado Europeu” unitário.
A ZCLCA é um acordo comercial projectado para criar um mercado único e uma zona de livre circulação, além de proporcionar a livre circulação de mão-de-obra e de capital e, por fim, uma união monetária. Também visa fortalecer os fragmentados mercados africanos e marcar presença, a uma só voz, nas negociações internacionais com outros blocos comerciais. Em suma, pretende constituir-se no maior mercado do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) acumulado que pode chegar aos 2,5 mil milhões de dólares e elevar a 60% o comércio intra-continental, a partir de 2022.
Ao eliminar progressivamente os direitos aduaneiros sobre o comércio intra-africano, o acordo abre um mercado de 1,2 mil milhões de consumidores, no imediato – 2,5 mil milhões até 2050 – e vantagens comerciais para as empresas. Mas a optimização destes efeitos só será alcançada quando os protocolos já assinados sobre a liberalização do comércio de mercadorias, serviços e a regularização dos diferendos forem acompanhados de outros, sobre investimentos, concorrência e propriedade intelectual.
Neste momento, os Estados africanos transaccionam, entre si, apenas 16% dos seus bens, muito abaixo dos 65% entre os europeus, 50% entre-asiáticos e 21% entre-latino-americanos. Mas os reais efeitos da Zona de Comércio Livre Continental Africana, uma premissa do processo de integração económica do continente, só serão alcançados com a implementação da União Aduaneira (prevista para 2019), do Mercado Comum Africano (2025) e da União Monetária (2030), processos inscritos nos objectivos da Agenda 2063. Também prevê a criação do Passaporte Único Africano, para facilitar a liberdade de movimentos no Continente sem necessidade de vistos.
Esta é das mais bem sucedidas tentativas africanas para a integração económica continental, depois do COMESA (Mercado Comum da África Oriental e Austral), em 1993 e da “Área de Comércio Preferencial” (PTA), cujo tratado data de 1981. A ideia de constituição da COMESA tem origem na década de 1960, sob inspiração da Comissão Económica das Nações Unidas para África (CEA) e evoluiria para uma Comunidade Económica dos Estados da África Oriental e Austral.
A ZCLCA faz, por isso, parte, com outros planos e programas da União Africana, de um todo coerente, na perspectiva de reforçar a integração regional e atingir os objectivos da Agenda 2063, para acelerar o desenvolvimento do continente, nas áreas das infra-estruturas, educação, ciência, tecnologia, cultura e manutenção da paz. “Esta premissa é baseada nas aspirações dos povos africanos à prosperidade, fundadas no desenvolvimento duradouro e na integração, com base nos ideais do Pan-Africanismo e do Renascimento de África enfim, do posicionamento de África no lugar que merece no concerto das nações”.
Outro facto que marcou a Cimeira de Niamey foi a escolha de Accra, a capital do Ghana, para sede da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA). Esta opção deve-se ao simbolismo que o Ghana representa na história de emancipação de África. É a terra natal de Kwame Nkrumah, um dos precursores do Pan-Africanismo e “arquitecto” da Organização de Unidade Africana (OUA).
Siga o portal África 21